“Eu te escrevo de Auschwitz” reúne acervo pouquíssimo conhecido de cartas enviadas por judeus franceses deportados às suas famílias e outras correspondências clandestinas que descrevem o terror vivido no campo de concentração
Entre os anos de 1942 e 1944, cerca de cinco mil cartas de judeus franceses deportados para o campo de concentração de Auschwitz foram expedidas para a França, com o intuito de tranquilizar suas famílias de que ‘estavam bem’. Essa correspondência fazia parte da chamada Brief-Aktion, uma ação de propaganda dos nazistas intitulada literalmente ‘Operação Cartas’, na qual prisioneiros eram coagidos por soldados da SS a escrever breves bilhetes em alemão com expressões vagas como “Está tudo bem comigo” e “Estou com saúde”, os quais seriam enviados a seus parentes e amigos.
O que a ‘boa-nova’ dos deportados anunciava, na verdade, é que logo não haveria mais notícia alguma e a essa única carta, na maioria esmagadora das vezes, se seguiria apenas o silêncio.
Em “Eu te escrevo de Auschwitz”, primeiro livro de Karen Taieb traduzido para o português e lançado pela Editora Planeta, a historiadora evidencia uma parte desconhecida do maior dentre os crimes contra a humanidade, ao mesmo tempo em que homenageia suas vítimas. Responsável pelos arquivos do Memorial da Shoá, um espaço de reflexão e sensibilização das novas gerações para os horrores do Holocausto, localizado no bairro de Marais em Paris, Karen realiza desde 1993 um intenso trabalho de pesquisa e registro da história de extermínio dos judeus na Europa.
“Essa correspondência atravessou o tempo e chegou até nós. Essas cartas foram escolhidas em razão do que nos dizem a respeito do funcionamento dessa operação de propaganda”, explica. “Judeus nascidos na França, naturais da Polônia ou ainda da Romênia, alguns envolvidos na Resistência; quatro desses deportados retornaram, e dos cinco restantes essas cartas são seus últimos vestígios de vida. Esses percursos nos trazem uma melhor compreensão do que foi a Brief-Aktion na França, mas, acima de tudo, também nos dão a oportunidade de prestar uma homenagem à memória desses homens e dessas mulheres”.
O livro traz, ainda, correspondências clandestinas que revelavam verdadeiramente e com riqueza de detalhes o inferno cotidiano a que os prisioneiros de Auschwitz eram submetidos, além de relatos únicos e comoventes dos sobreviventes, endereçados às suas famílias, assim que o campo de concentração foi libertado.
Trechos do Livro
“Em 2018, no Serviço Histórico da Defesa (Service Historique de la Défense — SHD), foi revelado um acervo de arquivos que documenta a Brief-Aktion (literalmente, “Operação Cartas”). Esse acervo comprova que, entre setembro de 1942 e julho de 1944, cerca de cinco mil cartas de deportados foram expedidas para a França”.
“No ano de 1943, aproximadamente 1.500 cartas foram registradas (435 em março, 708 em outubro e 289 em novembro). Apesar de alguns deportados terem escrito até seis cartas, a maioria não escreveu mais que uma”.
“É preciso, em primeiro lugar, deixar claro que, naquele local de destruição que era Auschwitz, correspondências desse tipo não tinham nada de normal. Nem mesmo o termo ‘correspondência’ era cabível. Muito provavelmente, os deportados escreviam sob coerção dos nazistas, a fim de tranquilizar as pessoas próximas e esconder o horror do campo, ao mesmo tempo que revelavam aos algozes o endereço dos judeus ainda não descobertos”.
“Há outro ponto que chama a atenção. A maioria das cartas foi escrita por deportados presos nos campos de Auschwitz-Birkenau e em seus kommandos. Entretanto, os endereços remetentes indicados raramente mencionam sua ligação com o campo de Auschwitz. Eles são sempre apresentados como campos de trabalho forçado independentes, em nada deixando transparecer a complexa estrutura de Auschwitz”.
Ficha Técnica
Título: Eu te escrevo de Auschwitz
Subtítulo: As cartas inéditas dos prisioneiros do campo de concentração
Autora: Karen Taieb
Tradução: Caroline Silva
Páginas: 224 pp.
Preço livro físico: R$52,90
Editora Planeta | Selo Planeta
Sobre a autora
Formada em História e mestre em Gestão da Informação e Documentação pela Universidade Paris-Sorbonne, Karen Taieb é chefe do departamento de arquivos do Mémorial de la Shoah, o Museu do Holocausto, em Paris. Seu exímio trabalho como pesquisadora deu vida às obras “Je vous écris du Vél’d’Hiv – Les lettres retrouvées”, de 2011, e “Paula: survivre obstinément”, de 2015, ambos livros de sua autoria, ainda sem tradução em português.