Dirigida ao público infantil, a iniciativa inclui óculos de realidade virtual produzidos com fibras da região
O desafio da conservação e uso sustentável dos manguezais amazônicos ganha uma arma tecnológica estratégica para avançar na trincheira da educação ambiental e sensibilização de crianças: o game de aventura “Protetores do Mangue”, que permite a experiência lúdica de imersão na realidade desse ecossistema, por meio do celular, mobilizando um novo olhar para temáticas socioambientais que exigem atenção, como o problema do lixo.
A ferramenta permite dialogar com o público infantil em cenário do cotidiano das famílias, com a perspectiva de aprender brincando. “O objetivo é levar conhecimento sobre o ecossistema de manguezal e despertar reflexões para os problemas que ele enfrenta”, afirma Raynéia Machado, coordenadora de comunicação do Projeto Mangues da Amazônia – iniciativa realizada pelo Instituto Peabiru e Associação Sarambuí, com patrocínio da Petrobras e apoio do Laboratório de Ecologia de Manguezal (LAMA), da Universidade Federal do Pará (UFPA). Desenvolvido em parceria com a startup Inteceleri, voltada a tecnologias de educação, e o estúdio de animação Muirak, ambos paraenses, o jogo apresenta resultados iniciais positivos, com perspectiva de expandir o uso: “É uma forma de chegar aonde as crianças estão e promover o debate, sem precisar pisar na lama”, ilustra Machado.
A inovação se soma ao conjunto de ações socioambientais do Mangues da Amazônia, incluindo reflorestamento de áreas degradadas, empoderamento social, fortalecimento do manejo sustentável dos recursos naturais e valorização da cultura local, onde se localiza a maior faixa contínua desse ecossistema no mundo, ao longo da costa do Pará e Maranhão. No Clube de Ciências, atividade em que meninos e meninas de sete a 12 anos são estimulados a serem futuros cientistas, o game traz o convite para conhecer melhor manguezal e estimula ações contra impactos dos resíduos.
Após chegar na comunidade do Araí, em Augusto Corrêa (PA), e depois na comunidade do Nanã, em Tracuateua (PA), a novidade rompe as barreiras territoriais e está disponível para download gratuito para celulares com sistema operacional Android, através do Google Play Store. Não há necessidade de wifi para o uso – vantagem que permite replicar o conceito e atingir o público de outras regiões, inclusive professores do Ensino Fundamental, no sentido de incorporar a ferramenta na sala de aula.
O que o caranguejo come? Como funciona a dinâmica das marés? Essas e outras questões compõem a jornada, guiada por perguntas e respostas que conduzem o jogador na trajetória de pontos na limpeza do manguezal, para no final de cada etapa receber o certificado de “protetor do mangue”. O conteúdo do enredo está dividido em três fases: sobre o mangue-branco, o mangue-preto e o mangue-vermelho. No elenco de personagens, entre as espécies ícones do ecossistema, figura a garça Gretta, que no início da narrativa recebe a missão dos seres do mangue para a limpeza da “casa” tomada por lixo. Um caranguejo dá as boas-vindas e explica o que se deve fazer ao longo do jogo para eliminar os resíduos; e o guaxinim faz o papel de um pintor em crise de criatividade devido à sujeira do manguezal. O exótico tralhoto, peixe comum dessas áreas, exerce o papel de “sábio” que ajuda o participante no objetivo de salvar o mangue.
Ao final de cada etapa de perguntas e respostas nesta jornada, o jogador é convidado a clicar e acessar vídeos sobre o tema, no Youtube, gravados com explicações de especialistas in loco no manguezal. E um diferencial: o uso de óculos de realidade virtual, acoplados à tela do celular, para uma experiência imersiva em 360º. “No projeto do game, buscamos integração ao ecossistema de inovação do Pará, na perspectiva de demandas amazônicas na educação”, revela Machado.
Os óculos foram desenvolvidos com um material da biodiversidade: a madeira do miriti, palmeira típica da região, utilizada sem impactos à floresta. “Usamos o miolo – leve e maleável – dos galhos que brotam no crescimento da árvore”, explica Walter Júnior, pesquisador da UFPA e CEO da Inteceleri, idealizador do miritiboard. O “isopor da Amazônia”, como é conhecido o material, é normalmente empregado para fazer brinquedos tradicionais nos festejos do Círio de Nazaré, em Belém – ou então se torna resíduo na natureza, após os galhos secarem. “Os óculos representam uma árvore que está crescendo e não morrendo”, enfatiza o professor de Engenheira da Computação. A matéria-prima é obtida de comunidades em Abaetetuba (PA), onde também é feita a montagem do equipamento, com geração de renda para as famílias.
Com foco em tecnologias para a educação pública fora das disciplinas básicas, a startup é parceira do Google for Education e participa de projetos em 23 municípios de cinco estados brasileiros, tendo produzido cerca de 25 mil óculos de realidade virtual até o momento. “O trabalho de sensibilização do público infantil nos manguezais amazônicos – uma realidade antes distante – representa uma grande motivação”, aponta o pesquisador, também responsável pela tecnologia de gamificação do Protetores do Mangue. “É uma oportunidade de avançar na área de educação ambiental e desenvolver inovações em realidade virtual associadas a um game”, conclui.