*Por Beatriz Montenegro
A palavra “comportamento” vem de comportar-se, de encaixar-se num modelo de boas maneiras, de agir de acordo com um grupo social”. Na infância essa palavra é muito usada e traz referências às crianças do que é ou não esperado, do que os adultos querem ou não que ela faça e, na maioria dos casos, um comportamento desafiador e difícil, revela uma falta.
Para entender o que isso significa proponho a seguinte reflexão:
Quero primeiro que você leia essas palavras com o coração tranquilo e não se sentindo cobrado, pois se ele revela uma falta, será que a falta é minha?
Sempre que sentimos que estamos em falta com os nossos filhos ou com as crianças, encontramos um lugar dolorido e pouco confortável, já que a culpa pode se apresentar muito rapidamente.
Este artigo não possui a intenção de apontar um dedo para você, mas de contar que o comportamento de uma criança é um bilhete que só os pais, educadores e cuidadores podem abrir, ler e agir de forma a auxiliar essa criança.
Nos últimos anos, os estudos na área da Neurociência revelam que o cérebro se desenvolve até os 20 e poucos anos, portanto, bebês, crianças e jovens estão em processo de desenvolvimento. Agora, nós, adultos, já temos todo o nosso sistema neuronal desenvolvido, por isso, conseguimos compreender a comunicação que a criança estabelece através do seu comportamento.
Quando eu digo que todo comportamento difícil revela uma falta, quero dizer que as crianças, assim como nós, têm como desejo diário sentir o amor, que é especial, que é querida, amada, enfim, se sentir bem.
Uma criança que está se comportando de forma inadequada tende a receber dos adultos uma crítica, uma punição ou castigo; porém ela é um ser em desenvolvimento, nem seu cérebro já completou todo o processo e dentro desta jornada ela só sabe se comunicar desta forma: gritando, chorando excessivamente, se opondo, batendo ou chutando.
A terapeuta Jane Nelsen tem uma frase que cabe bem à essa nossa conversa, ela diz: “De onde tiramos a absurda ideia de que para fazer uma criança agir melhor, devemos fazê-la primeiro se sentir pior?” Quem agirá de forma acolhedora, assertiva, amorosa, respeitosa num ambiente em que não sente o amor, o acolhimento e o respeito?
Então, como podemos ler esse bilhete?
O comportamento desafiador da criança é a ponta de um iceberg, é a revelação de que algo precisa ser alterado e que não está no controle ou na condição desta criança realizar tal mudança.
A partir dessa constatação, onde os pais devem focar seu olhar?
Vou listar algumas possibilidades mais comuns:
– Rotina pouco saudável: rotina é muito mais ampla do que o horário de dormir, acordar, da escola e da lição. Rotina é tudo que acontece em nosso dia a dia, por isso ela é tão importante. Uma rotina saudável atende às necessidades físicas e emocionais da criança e também do adulto, pois não tem como a criança ter uma rotina maravilhosa para si e os pais estarem vivendo uma rotina extremamente exaustiva. Neste modelo, a conexão fica perdida.
– Ritmo biológico não respeitado: as crianças e jovens possuem um ritmo biológico que é o sono, a alimentação, a excreção, mas que também é o ritmo de realizar determinada tarefa, o tempo para responder uma solicitação. Se no dia a dia esse ritmo é sempre desrespeitado, o comportamento opositor tende a aparecer como forma de comunicar que isso não está bom.
– Falta de conexão: todas as crianças necessitam de conexão. Conectar-se é se sentir unido, próximo ao outro e essa proximidade é emocional, não apenas física. A melhor forma de se conectar a uma criança é brincando com ela. Nem sempre a rotina permite momentos de conexão real com nossos filhos, porém eles são essenciais e se não estão acontecendo precisamos olhar para a rotina para verificar como encaixar essa conexão. Presença física é estabelecida apenas por estarmos ali, agora, presença emocional necessita de disponibilidade e da construção de uma relação de escuta e atenção com a criança e o jovem.
Se hoje o bilhete que seu filho lhe escreve, através do comportamento não é aquele que você esperava, observe os três aspectos acima e comece a realizar pequenas mudanças no seu dia a dia e vivencie a tranquilidade e leveza que é construir uma relação de parceria, respeito mútuo e de colaboração dentro do próprio lar.
Talvez você ainda esteja se perguntando, o que eu faço com o comportamento difícil? Ignoro? Repreendo? Dou um castigo? Tiro alguma coisa?
Nenhuma das ações acima são orientadas. A criança já está se sentindo mal e deve estar lidando com a consequência da sua ação, que pode ser um amigo não querer mais brincar, um brinquedo que quebrou, a frustração do não que recebeu, a raiva de não ser atendida imediatamente…
A nossa conduta com as crianças deve ser de acolhimento e orientação. Acolho o choro, a raiva, a tristeza, o medo, o mau comportamento e oriento de acordo com a máxima: “Esse comportamento me conta algo, é um comunicado!”. Nenhum bilhete deve ser calado, ele deve ser lido e a ação acontecerá, se for possível e, se não for, comunicaremos também.
Então acolher sempre, ser gentil, ser firme às vezes e refletir sobre o comportamento é essencial para que você vivencie uma nova história na relação com seu filho.
*Sobre Beatriz Montenegro
Beatriz Montenegro é Pedagoga, Neuropsicopedagoga e Educadora Parental pelo API (Certificado Internacional de Apego Seguro).
Mãe do Benício, de 4 anos, é apaixonada por desenvolvimento infantil e pela capacidade de transformação do ser humano.
Atua em consultório particular com atendimentos de crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem, realiza mentoria às famílias que buscam conexão na relação com seus filhos e é fundadora da Comunidade Conexão Materna, um grupo de mães que se encontram de forma online para se fortalecerem e refletirem sobre educação, filhos e desenvolvimento.
É idealizadora dos cursos Desafio do Brincar e Kit Sobrevivência: Rotina Saudável, cujo foco é o estabelecimento de relações saudáveis entre pais e filhos.
@biamontenegro.oficial