Afastamento por burnout, crises de pânico e ansiedade têm sido cada vez mais comuns no mundo do trabalho. Segundo o Ministério da Economia, em 2020 houve um aumento de 33,8% de licenças médicas devido a transtornos mentais e comportamentais em relação ao ano anterior. O motivo foi a terceira maior causa de afastamento no ranking que considera o compilado de 2017 a 2020. Razões para isso são variadas, mas o ambiente corporativo tem sido, sem dúvida, a principal delas.
As empresas continuam a fazer a mesma coisa que elas sempre fizeram: cobrar as pessoas por metas, desafios e resultados ao mesmo tempo que oferecem aulas de yoga e meditação. “Por definição, a empresa é uma narrativa construída pelas pessoas nas suas relações. Então, se está em fluxo – e fluxo é uma permanente troca e interação entre elas, sejam colaborador, cliente, fornecedor, formador de opinião e acionista- , sua natureza será intrínseca de tensão”, afirma Marcelo Cardoso.
Cardoso é fundador da Chie, uma consultoria que tem por objetivo desenvolver empresas por meio do potencial humano, e para ele a grande sacada é que cada um lida de uma maneira diferente com a tensão devido a formação e contexto em que se vive. A relação intrínseca de acerto e erro começa, portanto, muito cedo na escola e é transferida para a organização. “Passa a ser comum a gente depositar o bem-estar emocional na forma como o ambiente organizacional e os líderes vão se relacionar com o nosso processo de trabalho, esperando que a gente seja reconhecido, elogiado e com o sentimento de pertencimento a partir deles”, explica.
Foi o que aconteceu com Martin Ravetti, argentino que, entre idas e vindas, vive no Brasil há 35 anos. Ele percebeu que não estava conseguindo controlar a ansiedade quando se viu diante de um processo de transição da organização onde trabalhava e, por não ter informações suficientes, não conseguia atuar de forma propositiva. Já um curioso por autoconhecimento, resolveu se aprofundar, estudar e fazer cursos. “Todo o processo de mudança afetou de forma significativa a equipe que eu estava liderando, assim como as relações que foram geradas após essa situação. O processo de relação com as pessoas foi melhorando a partir desse autoconhecimento mais profundo que eu fiz”, afirma.
Foi por meio de um mergulho interno que o Ravetti conseguiu não só driblar a ansiedade, como transformou a relação com as pessoas ao seu redor. “Um dos maiores motivos de sofrimento das pessoas é criar expectativas que a organização vai preencher as lacunas de afeto, pertencimento, segurança, bem-estar e autoestima. A responsabilidade disso é da pessoa. Enquanto ela não se apropriar das suas próprias dores, traumas e feridas, e reconhecer elas em si, repetirá o padrão. Cada um de nós desenvolveu um padrão de experiências com os nossos familiares e pessoas mais próximas e fez com que a gente transformasse nosso potencial em uma personalidade, que, por sua vez, se transforma num padrão. E é neste padrão, que é um padrão de trauma, que cada um de nós cria uma forma de se relacionar com a tensão e os ambientes de stress”, esclarece Cardoso.
Anderlei Cortez, executivo com cargo global em multinacional, por sua vez, fez um profundo autoconhecimento que o levou a fazer uma transição de carreira em 2018. Praticante esporádico de meditação desde 2002, aprofundou-se em mindfulness em 2010, mas foi mesmo só em 2016 que, de fato, começou uma jornada ao autoconhecimento, com exercícios e dinâmicas que compreendiam o ego e seu lado sombra. “Fui percebendo o quanto eu projetava meus vazios nas relações com as pessoas. Hoje, eu olho com o embasamento que tenho e vejo o quanto era um caminho de dor e errático”, ilustra. Atualmente, Cortez é consultor e auxilia no desenvolvimento interno das equipes.
Cardoso é enfático ao dizer que o maior desafio que as pessoas têm é no compromisso de parar de projetar fora e olhar para dentro. “Se há um conselho que eu posso dar é: invista no seu processo de autoconhecimento; qualquer que seja, mas que seja para dentro, a fim de entender seus vazios e suas dores”, propõe. Segundo ele, é, sem dúvida, uma jornada individual, mas muitas vezes necessária. “Ressignificar sentimentos para conseguir lidar melhor com as relações, inclusive e principalmente dentro do ambiente corporativo, pode ser a saída para sobreviver bem às cobranças e alcançar com satisfação metas ousadas”, conclui..
Sobre Marcelo Lopes Cardoso
É fundador e integrador da Chie, consultoria a serviço da evolução da consciência de pessoas e organizações. Por meio dela, contribui para a emergência de novos arranjos coletivos que regenerem empresas, grupos e o planeta e promovam interações e relações transparentes e verdadeiras. Com mais de 25 anos de experiência no mundo corporativo, tem expertise em atividades focadas em metodologias para que as pessoas possam desenvolver seu verdadeiro potencial. É autor da obra Gestão Integral – Consciência e Complexidade nas Organizações.
Sobre a Chie
A Chie é uma empresa focada em atuar dentro do ecossistema de parceiros no sentido de colaborar com a transformação da sociedade por meio das organizações em que atuam e através de ações que impactam as pessoas e suas relações no contexto do trabalho.