Por: Adriana Drulla*
A felicidade também pode ter uma função tóxica para o ser humano quando se trata de uma emoção forjada. Na verdade, a prática dessa busca incansável por felicidade e positividade pode ser prejudicial. A ditadura da felicidade nega a natureza humana, que é composta por altos e baixos. A pessoa passa a se culpar por não ser sempre otimista e estar sempre feliz, o que gera mais negatividade.
Nosso corpo e nossa mente respondem pior ao estresse quando negamos o que estamos sentindo. É impossível estarmos bem quando estamos em guerra com nós mesmos. Todos sentimos dor, tristeza, raiva, inveja, ciúme. Essas são emoções transitórias que fazem parte da natureza humana. Mas a pressão para estar sempre bem, invalida a grande gama de emoções que experimentamos. Logo, quando sentimos qualquer tipo de desconforto emocional — como a raiva e a tristeza — está subentendido que fracassamos e que somos inadequados ou fracos.
A felicidade também pode ser nociva se estiver relacionada à chamada ‘positividade tóxica’. Positividade tóxica é a crença que um estado feliz e otimista é desejável, possível e apropriado em todas as situações. Ela resulta na negação, minimização e invalidação da experiência emocional humana autêntica, deslegitimando a existência de certas emoções e sentimentos, que fazem parte da nossa experiência genuína. Isso já existia antes das redes sociais.
O pensamento positivo é um bem de consumo que alimenta um mercado multimilionário de filmes, livros, treinamentos e palestras há muitas décadas. Mas, certamente, a positividade tóxica encontrou um aliado nas redes sociais. Porque quando o ser humano se expõe socialmente, é natural que exista um esforço para que o outro o veja com bons olhos. Fica mais claro se lembrarmos que, em termos evolutivos, a sobrevivência do indivíduo humano depende do suporte do seu grupo. Por isso, nosso cérebro desenvolveu um mecanismo, conhecido pelos pesquisadores como sociômetro, cuja função é julgar ou imaginar qual será a percepção dos outros ao nosso respeito. As pesquisas mostram que fazemos isso o tempo todo, inclusive sem termos consciência. Quando percebemos que somos admirados, a nossa autoestima aumenta, reforçando a atitude que gerou admiração. Quando percebemos que somos ou podemos ser mal vistos, nossa autoestima diminui.
E mais. Nós desejamos status, reconhecimento e aprovação social. As pessoas passam horas trabalhando em seus perfis sociais, construindo uma imagem que não condiz com quem realmente são. Já que a felicidade é reconhecida na nossa sociedade como um troféu, elas passam a divulgar apenas os momentos felizes. As redes sociais popularizam a ideia de que é possível ter uma vida livre de sofrimento. Raramente as pessoas publicam suas falhas ou destacam seus erros. Seguimos vidas artificialmente fabricadas e, como resultado, ficamos com a impressão de que todos estão lidando com tempos difíceis ‘melhor do que nós’, e isso promove uma sensação de solidão, vergonha e constrangimento. Quando o perfeito se torna normal, o bom se torna descartável.
Não tem nada de errado em vermos o lado positivo. Pelo contrário, é saudável entendermos a natureza multifacetada dos eventos e das pessoas. A positividade saudável reconhece emoções autênticas e rejeita o entendimento de que uma situação é necessariamente só boa ou só ruim. Emoções opostas podem acontecer simultaneamente. Ou seja, você pode ficar triste por perder seu emprego e ter esperança de encontrar um novo emprego no futuro. Algumas décadas de pesquisa mostram que a capacidade de ressignificar eventos é um dos principais fatores que suportam a resiliência humana. Ou seja, quando construímos sentido a partir das adversidades, tirando lições proveitosas do que nos acontece, conseguimos crescer a partir dos nossos desafios em vez de ficarmos piores por causa deles.
Sobre Adriana Drulla
Mestre em Psicologia Positiva, pela Universidade da Pennsylvania, é especialista em Compaixão e Autocompaixão. Estudou com Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e outros pesquisadores referência neste campo nos Estados Unidos e no mundo.
Formada em Conscious Parenting por Shefali Tsabary, psicóloga referência em parentalidade e autora do método que une psicologia, parentalidade e espiritualidade, é também especialista em Mindfulness e Autocompaixão pela Universidade da Califórnia, em San Diego (EUA) e pela USP.