Após dois anos de convivência diária com os donos, pets podem entrar em quadros crônicos de depressão e autoflagelo por se sentirem abandonados. Especialista em comportamento animal orienta como fazer uma transição responsável com eles para o período pós-pandemia
Para cada 10 pets, quatro apresentam algum quadro de ansiedade, depressão ou autoflagelação. Essa é a média relatada por Cleber Santos, especialista em comportamento animal, e CEO da Comport Pet, que recebe cerca de 500 cachorros, gatos e demais animais domésticos nos chamados serviços de Day Care, hotel e adestramento.
Dody Martins é dona de Mickey, um cão sem raça definida. Depois de quase dois anos juntos em confinamento, Dody retornou ao escritório. Após alguns dias, percebeu mudanças no Mickey. “Ele não comia, nem bebia água direito, se coçava e se mordia a noite toda. Levei ao veterinário, que passou um creme para a dermatite causada pelas feridas. Ele não parou. Fui alertada de que poderia ser emocional. Não sabia que cães tinham problemas de saúde mental”, explica a dona que começou a seguir alguns ritos para acalmar o ‘filho’.
Segundo o especialista em comportamento animal, os cães, principalmente, estão enfrentando transtornos mentais devido à interrupção abrupta de um período no qual o vínculo afetivo com os donos foi extremamente fortalecido. “Assim como para as crianças, é preciso um cuidado especial para tratar essa história, de preferência, com estratégias orientadas para essa transição”, explica.
Tristeza x Depressão e Autoflagelo
O especialista alerta que o agravamento da ansiedade para um quadro depressivo é comum, visto que nem sempre são percebidos os sinais de socorro do animalzinho. Mudanças de comportamento, como desobediência, agressividade ou agitação podem ser encaradas pelos donos como atitudes para “chamar a atenção”.
Para Santos, é fundamental saber diferenciar a tristeza da depressão entre os pets. Ele explica que, no quadro depressivo, são apresentados sintomas como falta de apetite; apatia; inatividade; pouca afetividade; sono excessivo; falta de vontade de brincar. Ele também pode se esconder do dono ou se tornar agressivo.
Assim como a depressão, o autoflagelo é um transtorno emocional que pode ser causado pela ansiedade. Comportamentos de autodestruição como se morder ou se lamber em excesso ao ponto de causar machucado, ou fazer as necessidades fora do lugar são manifestações típicas desse estágio.
Nesses casos, o recomendado é buscar ajuda profissional de um especialista em etologia, zoopsiquiatria ou medicina veterinária comportamental. Entre tratamentos nessa linha estão a musicoterapia; a aromaterapia; a cromoterapia, assim como o enriquecimento ambiental – atividades que trabalham a parte cognitiva do animal, despertando novos sensores e melhorando seu estado mental.
Como preparar seu pet nessa transição
Comece a adaptar seu animal de estimação, revivendo os mesmos rituais de antes: idas e vindas ao trabalho e a compromissos. O objetivo é prepará-lo emocionalmente para essa separação.
- Antes do retorno definitivo ao escritório, tente fazer um horário de trabalho, como se você estivesse no presencial. Escolha um cômodo para o home-office, com a porta fechada, sem comunicação visual e sem acesso ao pet.
- Ao sair de casa: não transforme esses momentos em despedidas. De preferência, deixe perto dele uma roupa com o seu cheiro.
- Previamente, ofereça atividades individuais para o seu animal e as deixe espalhadas em vários cômodos da casa.
- Veja se algum amigo ou alguém da família pode visitá-lo na hora do almoço.
- Quando chegar, não faça “festa” como se fosse um marco a ‘hora da chegada’. Isso contribui para o aumento da ansiedade no animal.
- Na convivência, não adianta apenas estar por perto. É importante oferecer tempo de qualidade. Estar conectado com ele, brincando ou fazendo carinho.
- No caso de cachorros, crie horários diários de passeio, pelo menos 2 vezes ao dia, para que possam farejar e interagir com outros cães.
- Estímulos mentais são tão importantes quanto exercícios físicos. Realize joguinhos de inteligência, como tirar comida de dentro de um brinquedo interativo.
“Infelizmente, está crescendo o índice de abandono de pets nesse momento de retorno ao escritórios ou escolas. Muitos donos alegam não ter condições de manter um animal sem estar em casa, principalmente aqueles que compraram ou adotaram durante a pandemia. A falta de adaptação às mudanças não pode ser desculpa. É preciso paciência, planejamento e, além de tudo, amor. Animal não é objeto. É preciso cuidar deles, sobretudo de seu equilíbrio e bem-estar”, frisa o especialista.